por Pedro Henrique Costa Krüger
Dono de uma simpatia incrível e de um tremendo bom humor, veio contar-me algumas histórias. Enquanto os poucos raios de sol invadiam a sala sem pedir permissão para entrar, sentei-me na cadeira para ouvi-lo. Ele pegou cuidadosamente aquelas folhas, pois elas continham um material extremamente rico e raro. E começou a passar o dedo em cima das linhas, dando a impressão de que as sentia.
De repente, soltou a voz! Como uma verdadeira criança, fiquei ali, totalmente atraído por aquela história a ser narrada. A vontade de escutar todos os detalhes era tanta que meus batimentos cardíacos diminuíram – o tum tum tum estava alto demais -, e nem meus olhos cometiam a audácia de piscar. Era tudo muito interessante.
Eu era o neto e ele o avô. Eu já não estava mais na cadeira, mas no chão, sentado ao lado da lareira; enquanto criava em minha mente imagens que representassem o que eu estava ouvindo. Dono de uma verdade incrível, aquela história invadiu-me a mente – mas diferente dos raios de sol, com permissão para entrar -, e fez-me rir. Rir muito. Rir sem parar.
O meu avô – sim, ele agora é -, também riu. Mas não podia parar de ler, não podia dar fim à criação das imagens ou finalizar a reprodução daquele conto quase mágico que mexe com as emoções. Ele também se divertia ao ver seu neto sorrir, entretanto a história precisaria continuar. Obrigado a continuar, segurava o riso. E seguia:
Que talho! Foi como em manteiga: cortei a meio a galinha, o prato, a mesa; atorei pelo joelho a perna do vizinho da esquerda, o pé da cadeira onde ele sentava-se, a tábua do assoalho e o barrote!¹
Criança como sou, não conseguia parar de rir. Dos meus olhos caiam lágrimas que pareciam infinitas. O meu avô, num momento de descuido, também riu, mas prontamente voltou a ler. E eu? Continuava a rir, é claro.
A história encaminhava-se para o final, mas, teimoso, eu evitava a pensar nisso. Com a cabeça encostada no braço que, por sua vez, estava sobre a mesa, ouvia as últimas e decisivas linhas.
“Que talho!”, finalizou o meu avô. Com os olhos encharcados de tanto rir, encarei os dele. Por um momento, parecia que a rotação da Terra havia parado. Os raios que invadiam a sala visualizavam aquela cena com extrema curiosidade. Após alguns segundos de uma pausa involuntária, rimos mais um pouco.
“Esses contos são realmente muito engraçados”, disse-me enquanto colocava a sua mão em meu ombro. Em seguida, entregou-me aquela pilha de folhas, aquele montante de papel. Eram poucas páginas, mas era pesado. Afinal, havia tantos mundos, personagens e histórias ali dentro. Ali, na palma de minha mão!
Já era noite. E ele, aquele que foi meu avô enquanto lia, deixava a sala. Sorri e acenei em despedida. Com as folhas na mão, fitei a capa rabiscada com uma esferográfica azul e juro ter ouvido alguém gritar “que talho!”. Percebi, então, que apesar dele ter deixado o prédio – assim como os raios de sol -, e apesar de não haver mais a narração daquelas frases, a história continua em nós. Uma vez feito o corte, em razão do conto, em nossa mente, nunca mais a perdemos.
Que talho!
Dedicado ao grande amigo Mário Mattos.
¹ Trecho do conto “Um talho”, de João Simões Lopes Neto.